quarta-feira, 18 de novembro de 2009

SENTENÇA - FURTO PRIVILEGIADO


COMARCA DE CIDADE GAÚCHA PR


Vistos e examinados  estes autos  nº 64/1985, de ação penal
em que é autora a JUSTIÇA PÚBLICA, e réu  V.B. P.
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I- RELATÓRIO

 1.V. B. P., brasileiro, solteiro, lavrador, natural de  Mirador-PR, nascido em 03.5.1967, filho  de Antônio Batista Pereira e de Maria Aparecida Vicente, residente  em Rondon, PR, nesta comarca, foi  denunciado, neste Juízo, como incurso nas sanções  do artigo 155 "caput", do Código  Penal, porque,  segundo a denúncia , "No transcorrer  do mês de julho  do corrente ano (1985), em dia  e hora não apurados, o ora denuncaido subtraiu para si, uma bicicleta de Marca Monak, quadro  nº 8-610914, de proriuedade da vítima José  Roberto França, que  estava  guardada na casa  de Joaquim Neves  Bonito, da Cidade de Rondon, nesta Comarca (auto de fls 07). No mês seguinte, mais precisamente no dia  24 de agosto, o denunciado foi  surpreendido  na Av. Brasil, próximo  a uma  oficina de conserto de  bicicletas naquel  cidade, de posse da blicicleta furtada, o casião  em que a "res furtiva" foi  apreendida  (doc. de fls 0)7) (fls.02).

2. Recebida a denúncia  em 14.11.85 (fls. 35), o réu  foi citado pessoalmente (fls. 39-v), submeteu-se a interrogatório (fls.40-41) e apresentou alegações preliminares por intermédio de defensor (e curador) nomeado  (fls. 42). Ouviram-se  três  das testemunhas  arroladas pelo Ministério Público (fls. 59-50), havendo desistência  quanto à quarta, não encontrada (fls. 53); ouviram-se  também duas testemunhas  arroladas pela Defesa (fls. 56-57). Na fase  do art. 499, do Código de Processo Penal, nada foi requerido (fls.58).

3 -Em alegações finais, o Ministério Público (fls. 59-60) postulou  a condenação do réu, concedendo-se-lhe  o privilégio a que se refere  o art. 155, § 2º, do Código Penal, com  aplicação apenas  de pena de multa, ao passo que a Defesa (fls.62-63), além de ratificar  o entendimento do Ministério Público, postulou a absolvição do réu, pela falta  do elemento subjetivo.

4.- Em apertada síntese, é o relatório,. Passo a  decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. A materialidade delitiva encontra-se  estampada nos autos de fls.07,08,24, 25 e 26.

2. Quanto a autoria, existe a confissão do réu, na polícia (fls. 13) e em Juízo (fls. 40-41), com repouso no conjunto  probatório. Como esse pobre diabo sem eira e nem beira diz,  furtou a bicicleta,  deixou  a mesma escondida uns dias, apanhando-a  em seguida "para passear", pois "futou a bicicleta para uso próprio" (fls.41); nesses passeios pela cidade, todo garboso, tanto que  parou  num blicicletaria, a vítima, é lógico, reconheceu  a bicicleta, assim como o dono da  oficina; aí, foi so chamar  a polícia (cf. deps. de fls. 49 a 49 verso).

3. Já não me surpreende mais a excelência e o respectivo zelo com que se apauta  o iluste signatário das alegações  finais  de fls. 63-64, eis  que isso é uma  constante em seus trabalhos neste foro. Desgraçadamente ou não, contudo, o juiz é escravo da lei (e só desta, pelo menos teoricamente...); vai que, em primeiro lugar, embora reconhecendo que o réu, inegávelmente, está inserido na banda  negativa  deste triste mundo que  veste quem já tem roupa e desnunda  que já está nú, realizaou ele um comportamento típico que a lei prevê, como crime.

Alhures, meu já estimado Doutor Lucena, alhueres já tive oportunidade de desabafar que nestes dias de incertezas e frustrações por que passamos, é deveras animador ver-se um jovem, que  embora  sofrido, não fez  de sua obra  um vazadouro de rancores e agressões, como é próprio na época hodierna. "O fatalismo erigido em filosofia de vida, o primado do instinto, a relação  do homem a um feixe de tendências biológicas, a verdade reduzida aà expressão  do que é útil, o progmatismo educacional, o  conforto material como objetivo mais importante do esforço  humano sob um falso  puritanismo religioso, a filosofia  do êxito econômico, o oportunismo como norma de comportamento individual, o dinamismo pelo dinamismo",  tudo isso faz  com  que as asas do desânimo rondem nossas cabeças.

É  estarrecedor   reconhecer  que a iniciativa individual, quase sempre, é envolvida e eliminada por uma economia  brutal de "trustes", monopólios e corporaões  tentaculares. Irraparavelmente o homem está  perdido  numa rede  absorvente  de empresas que se entrosam  e integram na estrutura gigantesca  das sociedade anônimas em que "os  adminstradores não possuem a propriedade que administram, e os  proprietários não administram a propriedade que possuem". E nós, humanos, somos  reduzídos à condição análoga à de trabalhadores  braçais, enfrentando os dissabores e vicissitudes contidianas, vítimas da beatificação da máquina e da transformação do homem em objeto imprestável. Forçoso é reconehecer, meu  sempiterno causídico, que razão assistia a Freud: o homem é, por excelência, um anbimal irracional. Valendo-se da razão,  cria maiores  e mais absurdas irrascionalidades...

Vè, o presado Dr. Lucena, com essa  pequena divagação (que me nem é permitida, aqui), ou pelo menos lobriga  Vossa Excelência que de dentro  da minha toga não sou  tão alheio à situação pessoal deste "reu"; não, meu coração não é  tão frívolo como quiça  parecer possa;  o parapeito de minha morada, "Deu gratias", não está  situado assim tão acima  dos problemas  sociais que eu não possa ver; pena  que  não saiba Vossa  Excelência  (repito) de onde venho, nem o que passei, já, na vida...

Mas observo, a contragosto embora, que devo sustar estes alinhavos, que aqui não ficam bem...

4. Pois, retomando o curso, está  presente sim, o dolo, eis que o réu, inegavelmente, tinha  a vontade dirigida  para  a concretização  do comportamrnto  típico que desenvolveu, previsto  em lei (o que  é basante para a escola  finalista, que o legislador  de 1984 seguiu, no que foi possível).

5. Ademais, pese embora a condição e situação social do réu, a reprimenda lhe deve ser imposta, até mesmo  para  que sua  desgraça lhe não  sirva  como escusa  para  enveredar-se  pelas  ruas  escuras do crime; na na medida em que o acusado desenvolve, conscientemente, um comportamento  que vai ao encontro a uma  das regras  de convívio em sociedade, erigida à categoria de ilícito pelo sistema  jurídico positivo, e o Judiciário lhe não aplica uma repimenda por isso, ineludivelmente, é um estímulo para  que o "Reu se valha  desse escudo e prossiga  nesse caminho. Mas terei em conta,  como se verá adiante, a regra do artigo 5º da Lei  de Intrudução do Código Civil, implicitamente embora.

6. A propósito, volto-me para as ponderações do zeloso representante do Ministério Público quanto à aplicação do art.155, § 2º, do Código Penal, e subscrevo-as, integralmente. O Doutor Custódio, aliás, que tem  minha simpatia e afeição, tem lembrado, como raro brilho, que "Para  o bom  desempenho de sua função é indispensável que reúna o Promotor os atributos  de uma  "inteligência arguta", em uma personalidade dotada de "sentimento de justiça". e de "independência moral". Do ponto de vista psicológico, é desejável que o Promotor não seja  sujeito  a impulsividade descontrolada, mas, ao contrário, tenha  satisfatória "maturidade  psíquica" e isso sem prejuízo de um " temperamento afirmativo e dinâmico". Não  deve  dispensar  o exato  "senso da medida", pois  dele se espera  "lúcida  percepção da realidade" dos fatos e "equilíbrio no aferir  sua valorização  ética". Por  derradeiro, no tocante  a atributos  morais, é exigível que o Promotor  tenha  um "caráter bem formado", produnda  " consciência do deve" e grande "espírito publico! ( trecho do "Perfil  do Promotor de Justiça", poublicado na contracapa do Boletim do MM Segipano).

Prova indestruível de que Sua Excelência se amolda  perfeitamente  a esse perfir são suas poderações a respeito da necessidade e conviniência de aplicação da regra  do furto privilegiado ao caso presente, qiue acolho integralmente, até porque, vista a situaçõ pelo ângulo técnico, tem-se que o réu preenche  os dois requisitos  para concessão do privilégio (primariedade do agente e pequeno valor  da coisa furtada, para o que tenho em conta o valor do salário mínimo.

III - DISPOSITIVO

1. Ante todo o exposto, julgo PROCEDENTE  a denúncia defls. 02 e CONDENO o Réu V. B. P., preambularmente qualificado, às penas  do artigo 155, " caput", do Código Penal, observada a regra do artigo 155, § 2º, do mesmo "Codex".

2. Passo à individualização da pena,  tendo em conta  o necessário e suficente  para  reprovação  do crime  que o réu  praticou (CP, art. 59).

a) Imputável como é, tinha o réu  potencial  consciência  da ilicitude de seu comportamento, e na hipótese, exigia-se-lhe comportamento diversos, preenchendo ele, pois,  os requisitos  da cumpapiblidade, pressupósto, por seu turno, da punibilidade; mas não agiu  como dolo intenso.è téenicamenteprimário, mas regista, já, turbulência em sua "vita anteacta", tramitando contra sí outra ação  penal, nesta comarca, por furto, além  de já ter respondido, também nesta comarca, a processo crimnal como incurso  nassanções do art. 129, "caput", c/c o art. 61, II, "e", e nas ddo art. 329, "caput". c/co art. 69. todos do Código Penal, tendo sido condenado  (fls., 65). Quanta à sua conduta social, o ambiente social em que vive não é  dos melhores;  escolariedade  inferior, órfão de mãe, família de "bóias frias", é inegável que o crime que cometeu não é,´propriamente, um episódio  acidental em sua vida; mas, como disse, com acerto, o Dr.Promotor de Justiça ele é mais "um fruto das condições  do modelo econômico implantado nesta pais do que propriamente um delinquennte voltado contra o patrimîo  alheio. Assegua-se, por outro lado, ampla  proteção à propiedade e, por outro, através  de um sistama  de espoliação nas relações  de produção, nega-se  à maioria dos trabalhadores  este mesmo direito. É sem dúvida uma situação  no mínimo paradoxal, que  precisa  ser considerada ao se aplicar direito posto a um "ladrão de bicicleta". Quanto à sua personalidade, à vista dos dados acima externados, é óbvio que o réu tem, potencialmente, capacidade de voltar a delinquir, a menos  que o Estado, como num passe de mágica, resolva  sair do nilismo e voltar os olhos para a gente que "vive" como este pobre cão. Motivação imoral e atri-social:  a cobiça, que o levou  locupletar-se à custa do patrimônio alheio; mas é explicável: como ele demonstrou  e todos, no processo, acreditamos, o que queria  mesmo era ter uma bicicleta para si; é certo que a solução por ele encontrada não se justifica, mas, no meio em que vive.semi-analfabeto, sem amor materno (também) sem  receber educação, sem orientação do pai (que corta cana ou colhe algodão é o que sabe fazer), não ouso pretender  que ele  pudesse entender  que,  ao contrário  do que fez, deveria  lutar, meter os peito,enfrentar  a vida, progredir , ocupar  um lugar  ao sol e ter,  não uma bicicleta velha, mas mais, muito mais... As circustâncias, não reggem ao usual; enquanto  esperava  a chuva passar, viu a bicicleta, aporveitou-se

das condições gavoráveis e, não contendo seus freios inibitórios,não titubiou para satisfazer se desejo. Sem consquências gravosas para a vítima, que recuperou, intacta, a bicicleta, cuja vítima, doutra parte, não teve comporotamento criminogênio.

b) Da análise , então, das circunstâncias judiciais, volto-me para a (s) pena (s) aplicável (is) dentrea as cominadas, tais sejam, pena privativa da liberdade e multa, comulativamente (CP, art. 155, "caput"). Valendo-me do poder-dever que o art. 155, § 2º, do Código Penal me confere, e buscando condescendência até onde me é permitido, aplicar-lhe somente a PENA DE MULTA. Sei que há nisso um certo paradoxo: afinal, se trata de um não-sei-que-diga que aí esta sem ter onde cair morto, que condenscedência infame é essa que aplica pena de multa? Explica-se: simples inspeção visual do dispositivo referido (CP, art. 155, § 2º) demonstrea que a lei só mme permite ou substituir a pena de detenção. diminui-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa; e "lege habemos"! ... Estou em que a pena de multa, para V.B.P, é mais branda.

c), Passo, então, à aplicação da pena pecuniaria: Primeira etapa: fixo, como base, em qunze (15) dias-multa: commo nã há agravantes, mas há, no entanto, as atenuantes da menoridade relativa e da confissão (CP art. 65, I e III, "d"),  reduzo esse  número para  o mínimo  legal de DEZ (10) DIAS-MULTA (CP, art.  49, "caput"), que torno DEFINITIVO, ante a inexistência  de causa especial de aumento ou diminuição da pena. Segunda etapa: quanto ao valor  do dia -multa, à vista da situação econômica do réu (CP, art. 60,"caput"), fixo-o no ínimo legal de '1/30 do maior salário mínimo  mensal  vigente ao tempo do fato (CP, art, 69, $ 1º), que era de Cr$ 333.122,00, correspondendo  1/30 a CR$ 11.104, 00. Terceira etapa:  esse valor  (CR$11.104,00) multiplicado pelo nº de dias-multa (10), oferece como resultado CR111.040,00, valor que, feita a conversão de lei, corresponde  a CZ 11,40, desprezadas  as frações  de cruzado (CP art.11), resume-se a ONZE CRUZADOS (CZ11,00, cuja cifra deverá  ser atualizada monetariamente, na forma  da lei (CCP, art.49, § 2º).

3. Lance-se  o nome  do réu  no rol dos culapados.

4. Observe-se o Provimento nº 356.

5. Ao Contador, para o cálculo das custas que serão suportadas pelo réy (CPC, art. 804) ee da multa, diligencie-se pelo seu pagamento no decêncio legal, salvo  havendo  pedido de parcelamento (CP. art. 50).

6. Para  eventual cumprimetno da pena  privativa da leiberdade, recomendo a Cadeia Pública  de Rondon, nesta Comarca.

7. Expeça-se  guia de recolhiimento.

PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. INTIME-SE.

RESTAÇÃO JURISDICIONAL ENTREGUE.

CUMPRA-SE.

CIDADE GAÚCHA, 05 DE OUTUBRO DE 1987.

a) FRANCISCO PINTO RABELO FILHO

                JUIZ DE DIREITO

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