COMARCA DE CIDADE GAÚCHA PR
Vistos e examinados estes autos nº 64/1985, de ação penal
em que é autora a JUSTIÇA PÚBLICA, e réu V.B. P.
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I- RELATÓRIO
1.V. B. P., brasileiro, solteiro, lavrador, natural de Mirador-PR, nascido em 03.5.1967, filho de Antônio Batista Pereira e de Maria Aparecida Vicente, residente em Rondon, PR, nesta comarca, foi denunciado, neste Juízo, como incurso nas sanções do artigo 155 "caput", do Código Penal, porque, segundo a denúncia , "No transcorrer do mês de julho do corrente ano (1985), em dia e hora não apurados, o ora denuncaido subtraiu para si, uma bicicleta de Marca Monak, quadro nº 8-610914, de proriuedade da vítima José Roberto França, que estava guardada na casa de Joaquim Neves Bonito, da Cidade de Rondon, nesta Comarca (auto de fls 07). No mês seguinte, mais precisamente no dia 24 de agosto, o denunciado foi surpreendido na Av. Brasil, próximo a uma oficina de conserto de bicicletas naquel cidade, de posse da blicicleta furtada, o casião em que a "res furtiva" foi apreendida (doc. de fls 0)7) (fls.02).
2. Recebida a denúncia em 14.11.85 (fls. 35), o réu foi citado pessoalmente (fls. 39-v), submeteu-se a interrogatório (fls.40-41) e apresentou alegações preliminares por intermédio de defensor (e curador) nomeado (fls. 42). Ouviram-se três das testemunhas arroladas pelo Ministério Público (fls. 59-50), havendo desistência quanto à quarta, não encontrada (fls. 53); ouviram-se também duas testemunhas arroladas pela Defesa (fls. 56-57). Na fase do art. 499, do Código de Processo Penal, nada foi requerido (fls.58).
3 -Em alegações finais, o Ministério Público (fls. 59-60) postulou a condenação do réu, concedendo-se-lhe o privilégio a que se refere o art. 155, § 2º, do Código Penal, com aplicação apenas de pena de multa, ao passo que a Defesa (fls.62-63), além de ratificar o entendimento do Ministério Público, postulou a absolvição do réu, pela falta do elemento subjetivo.
4.- Em apertada síntese, é o relatório,. Passo a decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. A materialidade delitiva encontra-se estampada nos autos de fls.07,08,24, 25 e 26.
2. Quanto a autoria, existe a confissão do réu, na polícia (fls. 13) e em Juízo (fls. 40-41), com repouso no conjunto probatório. Como esse pobre diabo sem eira e nem beira diz, furtou a bicicleta, deixou a mesma escondida uns dias, apanhando-a em seguida "para passear", pois "futou a bicicleta para uso próprio" (fls.41); nesses passeios pela cidade, todo garboso, tanto que parou num blicicletaria, a vítima, é lógico, reconheceu a bicicleta, assim como o dono da oficina; aí, foi so chamar a polícia (cf. deps. de fls. 49 a 49 verso).
3. Já não me surpreende mais a excelência e o respectivo zelo com que se apauta o iluste signatário das alegações finais de fls. 63-64, eis que isso é uma constante em seus trabalhos neste foro. Desgraçadamente ou não, contudo, o juiz é escravo da lei (e só desta, pelo menos teoricamente...); vai que, em primeiro lugar, embora reconhecendo que o réu, inegávelmente, está inserido na banda negativa deste triste mundo que veste quem já tem roupa e desnunda que já está nú, realizaou ele um comportamento típico que a lei prevê, como crime.
Alhures, meu já estimado Doutor Lucena, alhueres já tive oportunidade de desabafar que nestes dias de incertezas e frustrações por que passamos, é deveras animador ver-se um jovem, que embora sofrido, não fez de sua obra um vazadouro de rancores e agressões, como é próprio na época hodierna. "O fatalismo erigido em filosofia de vida, o primado do instinto, a relação do homem a um feixe de tendências biológicas, a verdade reduzida aà expressão do que é útil, o progmatismo educacional, o conforto material como objetivo mais importante do esforço humano sob um falso puritanismo religioso, a filosofia do êxito econômico, o oportunismo como norma de comportamento individual, o dinamismo pelo dinamismo", tudo isso faz com que as asas do desânimo rondem nossas cabeças.
É estarrecedor reconhecer que a iniciativa individual, quase sempre, é envolvida e eliminada por uma economia brutal de "trustes", monopólios e corporaões tentaculares. Irraparavelmente o homem está perdido numa rede absorvente de empresas que se entrosam e integram na estrutura gigantesca das sociedade anônimas em que "os adminstradores não possuem a propriedade que administram, e os proprietários não administram a propriedade que possuem". E nós, humanos, somos reduzídos à condição análoga à de trabalhadores braçais, enfrentando os dissabores e vicissitudes contidianas, vítimas da beatificação da máquina e da transformação do homem em objeto imprestável. Forçoso é reconehecer, meu sempiterno causídico, que razão assistia a Freud: o homem é, por excelência, um anbimal irracional. Valendo-se da razão, cria maiores e mais absurdas irrascionalidades...
Vè, o presado Dr. Lucena, com essa pequena divagação (que me nem é permitida, aqui), ou pelo menos lobriga Vossa Excelência que de dentro da minha toga não sou tão alheio à situação pessoal deste "reu"; não, meu coração não é tão frívolo como quiça parecer possa; o parapeito de minha morada, "Deu gratias", não está situado assim tão acima dos problemas sociais que eu não possa ver; pena que não saiba Vossa Excelência (repito) de onde venho, nem o que passei, já, na vida...
Mas observo, a contragosto embora, que devo sustar estes alinhavos, que aqui não ficam bem...
4. Pois, retomando o curso, está presente sim, o dolo, eis que o réu, inegavelmente, tinha a vontade dirigida para a concretização do comportamrnto típico que desenvolveu, previsto em lei (o que é basante para a escola finalista, que o legislador de 1984 seguiu, no que foi possível).
5. Ademais, pese embora a condição e situação social do réu, a reprimenda lhe deve ser imposta, até mesmo para que sua desgraça lhe não sirva como escusa para enveredar-se pelas ruas escuras do crime; na na medida em que o acusado desenvolve, conscientemente, um comportamento que vai ao encontro a uma das regras de convívio em sociedade, erigida à categoria de ilícito pelo sistema jurídico positivo, e o Judiciário lhe não aplica uma repimenda por isso, ineludivelmente, é um estímulo para que o "Reu se valha desse escudo e prossiga nesse caminho. Mas terei em conta, como se verá adiante, a regra do artigo 5º da Lei de Intrudução do Código Civil, implicitamente embora.
6. A propósito, volto-me para as ponderações do zeloso representante do Ministério Público quanto à aplicação do art.155, § 2º, do Código Penal, e subscrevo-as, integralmente. O Doutor Custódio, aliás, que tem minha simpatia e afeição, tem lembrado, como raro brilho, que "Para o bom desempenho de sua função é indispensável que reúna o Promotor os atributos de uma "inteligência arguta", em uma personalidade dotada de "sentimento de justiça". e de "independência moral". Do ponto de vista psicológico, é desejável que o Promotor não seja sujeito a impulsividade descontrolada, mas, ao contrário, tenha satisfatória "maturidade psíquica" e isso sem prejuízo de um " temperamento afirmativo e dinâmico". Não deve dispensar o exato "senso da medida", pois dele se espera "lúcida percepção da realidade" dos fatos e "equilíbrio no aferir sua valorização ética". Por derradeiro, no tocante a atributos morais, é exigível que o Promotor tenha um "caráter bem formado", produnda " consciência do deve" e grande "espírito publico! ( trecho do "Perfil do Promotor de Justiça", poublicado na contracapa do Boletim do MM Segipano).
Prova indestruível de que Sua Excelência se amolda perfeitamente a esse perfir são suas poderações a respeito da necessidade e conviniência de aplicação da regra do furto privilegiado ao caso presente, qiue acolho integralmente, até porque, vista a situaçõ pelo ângulo técnico, tem-se que o réu preenche os dois requisitos para concessão do privilégio (primariedade do agente e pequeno valor da coisa furtada, para o que tenho em conta o valor do salário mínimo.
III - DISPOSITIVO
1. Ante todo o exposto, julgo PROCEDENTE a denúncia defls. 02 e CONDENO o Réu V. B. P., preambularmente qualificado, às penas do artigo 155, " caput", do Código Penal, observada a regra do artigo 155, § 2º, do mesmo "Codex".
2. Passo à individualização da pena, tendo em conta o necessário e suficente para reprovação do crime que o réu praticou (CP, art. 59).
a) Imputável como é, tinha o réu potencial consciência da ilicitude de seu comportamento, e na hipótese, exigia-se-lhe comportamento diversos, preenchendo ele, pois, os requisitos da cumpapiblidade, pressupósto, por seu turno, da punibilidade; mas não agiu como dolo intenso.è téenicamenteprimário, mas regista, já, turbulência em sua "vita anteacta", tramitando contra sí outra ação penal, nesta comarca, por furto, além de já ter respondido, também nesta comarca, a processo crimnal como incurso nassanções do art. 129, "caput", c/c o art. 61, II, "e", e nas ddo art. 329, "caput". c/co art. 69. todos do Código Penal, tendo sido condenado (fls., 65). Quanta à sua conduta social, o ambiente social em que vive não é dos melhores; escolariedade inferior, órfão de mãe, família de "bóias frias", é inegável que o crime que cometeu não é,´propriamente, um episódio acidental em sua vida; mas, como disse, com acerto, o Dr.Promotor de Justiça ele é mais "um fruto das condições do modelo econômico implantado nesta pais do que propriamente um delinquennte voltado contra o patrimîo alheio. Assegua-se, por outro lado, ampla proteção à propiedade e, por outro, através de um sistama de espoliação nas relações de produção, nega-se à maioria dos trabalhadores este mesmo direito. É sem dúvida uma situação no mínimo paradoxal, que precisa ser considerada ao se aplicar direito posto a um "ladrão de bicicleta". Quanto à sua personalidade, à vista dos dados acima externados, é óbvio que o réu tem, potencialmente, capacidade de voltar a delinquir, a menos que o Estado, como num passe de mágica, resolva sair do nilismo e voltar os olhos para a gente que "vive" como este pobre cão. Motivação imoral e atri-social: a cobiça, que o levou locupletar-se à custa do patrimônio alheio; mas é explicável: como ele demonstrou e todos, no processo, acreditamos, o que queria mesmo era ter uma bicicleta para si; é certo que a solução por ele encontrada não se justifica, mas, no meio em que vive.semi-analfabeto, sem amor materno (também) sem receber educação, sem orientação do pai (que corta cana ou colhe algodão é o que sabe fazer), não ouso pretender que ele pudesse entender que, ao contrário do que fez, deveria lutar, meter os peito,enfrentar a vida, progredir , ocupar um lugar ao sol e ter, não uma bicicleta velha, mas mais, muito mais... As circustâncias, não reggem ao usual; enquanto esperava a chuva passar, viu a bicicleta, aporveitou-se
das condições gavoráveis e, não contendo seus freios inibitórios,não titubiou para satisfazer se desejo. Sem consquências gravosas para a vítima, que recuperou, intacta, a bicicleta, cuja vítima, doutra parte, não teve comporotamento criminogênio.
b) Da análise , então, das circunstâncias judiciais, volto-me para a (s) pena (s) aplicável (is) dentrea as cominadas, tais sejam, pena privativa da liberdade e multa, comulativamente (CP, art. 155, "caput"). Valendo-me do poder-dever que o art. 155, § 2º, do Código Penal me confere, e buscando condescendência até onde me é permitido, aplicar-lhe somente a PENA DE MULTA. Sei que há nisso um certo paradoxo: afinal, se trata de um não-sei-que-diga que aí esta sem ter onde cair morto, que condenscedência infame é essa que aplica pena de multa? Explica-se: simples inspeção visual do dispositivo referido (CP, art. 155, § 2º) demonstrea que a lei só mme permite ou substituir a pena de detenção. diminui-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa; e "lege habemos"! ... Estou em que a pena de multa, para V.B.P, é mais branda.
c), Passo, então, à aplicação da pena pecuniaria: Primeira etapa: fixo, como base, em qunze (15) dias-multa: commo nã há agravantes, mas há, no entanto, as atenuantes da menoridade relativa e da confissão (CP art. 65, I e III, "d"), reduzo esse número para o mínimo legal de DEZ (10) DIAS-MULTA (CP, art. 49, "caput"), que torno DEFINITIVO, ante a inexistência de causa especial de aumento ou diminuição da pena. Segunda etapa: quanto ao valor do dia -multa, à vista da situação econômica do réu (CP, art. 60,"caput"), fixo-o no ínimo legal de '1/30 do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato (CP, art, 69, $ 1º), que era de Cr$ 333.122,00, correspondendo 1/30 a CR$ 11.104, 00. Terceira etapa: esse valor (CR$11.104,00) multiplicado pelo nº de dias-multa (10), oferece como resultado CR111.040,00, valor que, feita a conversão de lei, corresponde a CZ 11,40, desprezadas as frações de cruzado (CP art.11), resume-se a ONZE CRUZADOS (CZ11,00, cuja cifra deverá ser atualizada monetariamente, na forma da lei (CCP, art.49, § 2º).
3. Lance-se o nome do réu no rol dos culapados.
4. Observe-se o Provimento nº 356.
5. Ao Contador, para o cálculo das custas que serão suportadas pelo réy (CPC, art. 804) ee da multa, diligencie-se pelo seu pagamento no decêncio legal, salvo havendo pedido de parcelamento (CP. art. 50).
6. Para eventual cumprimetno da pena privativa da leiberdade, recomendo a Cadeia Pública de Rondon, nesta Comarca.
7. Expeça-se guia de recolhiimento.
PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. INTIME-SE.
RESTAÇÃO JURISDICIONAL ENTREGUE.
CUMPRA-SE.
CIDADE GAÚCHA, 05 DE OUTUBRO DE 1987.
JUIZ DE DIREITO
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