AUTOS Nº 49/99
AÇÃO PENAL DA COMPETÊNCIA DO
TRIBUNAL DO JÚRI
RECURSO DE APELAÇÃO
APELANTE: O MINISTÉRIO
PÚBLICO ESTADUAL
APELADOS: CLAUDECIR RODRIGUES E DEVALNIR VIARO
CONTRA-RASÕES DO APELADO
DEVALNIR VIARO
EGRÉGIA
CÂMARA:
1. No recurso de apelação
interposto pelo Ministério Público,
alegou-se (1) ocorrência de nulidade posterior à denúncia e que (2) a decisão dos Jurados manifestamente contrária
à prova dos autos..
2. DA NULIDADE POSTERIOR
A PRONÚNCIA.
In casu, alega o Apelante que constitui causa de nulidade da r. decisão apelada, o fato de o MM. Juiz
Presidente haver, quando do julgamento do acusado Devalnir, submetido novamente a votação o
terceiro quesito, ( Se o réu Devalnir Viaro concorreu, de qualquer forma, para a pratica do crime?), por entender que os Srs. Jurados, ao responderem, cinco (5) que
sim e dois, que não, entraram em
contradição, já que, ao julgarem o co-réu
Claudecir Rodrigues, haviam reconhecido, antes, a tese da defesa deste, de homicídio privilegiado.
Afirma, também, que o juiz,
ao tomar a decisão, de submeter o quesito sobredito a nova nova votação, que
ensejou aos Srs., Jurados decidir, por cinco(5) não e dois (2) sim, que Devalnir não concorreu para a prática do
crime, teria ferido o princípio
da soberania dos veredictos do júri (constituição, art. 5, XXXVIII, C),
eis que, não poderia o juiz interferir
na decisão do conselho de sentença, considerando sua resposta
contraditória (sic) (Grifei).
No entendimento da nobre e
culta Promotora, o veredicto do Júri, no
caso, teria sido condenatório, não sendo lícito, portanto, à Magistratura togada, em virtude de sua
soberania, repetir a votação.
O argumento invocado pelo
Ministério Público - recorrente, todavia, não procede, visto que a decisão
tomada pelo douto Magistrado Presidente do Tribunal do Júri, ora analisada, foi
correta. Faz-se necessário, porém, para que assim se endenda, sem lugar para
dúvidas, que se coloque a causa da
decisão do MM. Juiz nos devidos termos.
É que a ilustre Promotora de
Justiça, ora apelante, não expôs, por inteiro, os motivos que levaram o MM,
Juiz togado a tomar a decisão de se valer da regra estatuída pelo artigo 489,
do C.P.C, ou seja da que permite
submeter novamente à votação, pelo Conselho
de Sentença, os quesitos, cujas as respostas
estiveram em contradição a outras, antes, por ele proferidas.
Ocorre que, não foi só a
resposta dada pelos Srs. Jurados ao quesito citado pela Apelante, que levou o
MM. Juiz a tomar a decisão de submetê-lo novamente à votação. A bem da verdade,
S. Exa. só tomou esta decisão depois de os Jurados
haverem respondido, negativamente, por maioria,
o quarto quesito da segunda série
(Terceira Pessoa agiu mediante paga?); aquele genérico, este, específico. E foi a
resposta dada e este último, em flagrante contradição ao anterior e,
também, às dadas aos quesitos referentes
ao julgamento do co-réu CLAUDECIR, que levou o Juiz Presidente à decisão de repetir a votação, não, sem antes, explicar aos jurados
em que consistiu tal contradição.
Ora, Excelência, é obvio,
que o Conselho de Jurados, depois de
haver respondido (na primeira votação), que o acusado DEVALNIR,
por cinco (5) sim, contra dois (2) não, havia concorrido de qualquer modo para o crime praticado por
terceira pessoa, não poderia admitir, genericamente,
sem entrar em contradição, tal concurso, “de qualquer modo” que não
seria por paga, nem se dizendo qual
pudesse ser ( TJSP, Ap. 120.369, j. 18.3.74).
Assim diante de evidente
contradição, outra medida não poderia tomar o MM Juiz Presidente do Tribunal do
Júri, senão a de valer-se da norma contida no citado art. 489, do Estatuto
Processual Penal e repetir a votação. Repetiu, e a contradição foi desfeita.
JÚLIO FABRRINI MIRABETE, em Código de Processo Penal Interpretado, pág.
623, leciona que:
pode o juiz repetir
a votação de qualquer quesito
quando entender que a
resposta a qualquer deles não se coaduna com a linha de decisão já manifestada em resposta anterior. Não há ,
na hipótese, qualquer irregularidade, ao contrário, o juiz deve evitar
votação contraditória, o que é
causa de nulidade do julgamento (art.
564, parágrafo único). Devem ser
novamente votados os quesitos
cujas respostas são conflitantes e não apenas
um deles. Não constitui motivo de nulidade, porém, a mudança de procedimento do jurado
na votação dos quesitos contrariando o que já havia admitido anteriormente. não fica ele vinculado
ao seu voto anterior, ao ponto de
vista rejeitado pela maioria, podendo concordar
com a tese vencedora nos quesitos
subsequentes. As deliberações do júri
são tomadas por maioria e somente
quando esta responde
contraditoriamente é que ocorre a nulidade.
No caso em exame, o douto
Magistrado Presidente do Júri, em face da contradição supramencionado, mandou repetir a votação, não apenas do
terceiro quesito, mas também do quarto, ambos da segunda
série, possibilitando aos Srs. Jurados o restabelecimento
da coerência de seus votos.
Outra não tem sido a
orientação jurisprudência dos nossos Tribunais, a esse respeito:
pode o juiz repetir a votação de qualquer quesito da série
quando entender que a resposta dada a qualquer deles não se coaduna com a linha de decisão já manifestada em resposta anterior,
consoante o mesmo art. 488 do CPP (STF, RT 589/445).:
Ademais, o Conselho de Sentença, momentos antes,
ao julgar a acusado VALDECIR, havia
reconhecido que este agiu sobre violenta
emoção logo em seguida à injusta
provocação da vítima, admitindo a tese da defesa: de homicídio privilegiado.
Desse modo, é de se esperar
que, a
argüição de nulidade posterior a pronuncia defendida pelo apelante não merece acolhida, esperando o
acusado, ora apelado, que venha a mesma a ser rejeitada pela manifesta
improcedência dos fundamentos que lhe
serviram de supedâneo.
3. DA DECISÃO
MANIFESTAMENTE
CONTRÁRIA À
PROVA DOS AUTOS.
3.1 - DA IMPOSSIBILIDADE DO RECURSO DE
APELAÇÃO P/ FUNDAMENTO INVOCADO.
Na hipótese estudada, a
nobre Promotora - Apelante,
louvando-se no art. 593, inc. III, letra “d”do Código de Processo Penal, pelo
seu apelo, quer ver anulada, no mérito
e na essência,
o veredicto dos jurados, em relação
ao apelado CLAUDECIR RODRIGUES, por entender que a tese do homicídio privilegiado,
acolhida pela maioria deles, é francamente afrontosa à verdade real do processo, e,
em razão disso, quer que ambos os
apelados sejam submetidos a novo julgamento.
Em resumo, quer o Apelante sujeitar os acusados a novo julgamento
mercê de um ponto, o privilégio do homicídio, que, se sabe, não diz respeito ao mérito da causa
Há, entretanto, que se
considerar que, no âmbito do Júri, a
apelação tem natureza restrita, ficando
o Tribunal jungido aos motivos alinhados na petição do recurso. In casu, estes referem-se,
expressamente, a uma decisão manifestamente contrária à prova dos autos, subsumida
nos limites do citado artigo 593, inc.
III, d.
Destarte, a conclusão
resulta óbvia: o Tribunal a quem não poderá conhecer e apreciar o mérito do veredicto, porque a apelação, no caso, não versa sobre o ponto principal da lide, visa, isto
sim, cassar o privilégio do homicídio privilegiado, e, conseguindo isto,
submeter os acusados a novo julgamento
pelo Júri; no entanto, há que considerar que o privilégio do homicídio não
integra o mérito da lide, vez que simples caso de diminuição de pena (§ 1º, do art.
121, do C.P).
Nessa linha de pensamento,
tirante os aspectos formais, só
se anulará, com propriedade, julgamento
do Tribunal do Júri quando a
apelação versar sobre tópico
nuclear de lide, e nunca sobre
ponto acessório.
E Doutrinariamente, ensina MAGALHÃES NORONHA ser a qualificadora ou a privilegiadora mera circunstância acessória (Curso de Direito Penal, p. 275/276).
JOSÉ LISBOA DA GAMA MALCHER, leciona:
... caberá apelação
diante de processo sujeito ao Tribunal
do Júri, quando a decisão do Conselho de
Sentença for formada contra à evidência dos autos. Nesta hipótese, não se
trata de decisão que acolha esta ou aquela versão apresentada pelas partes e possível segundo a prova; mas aquela
que, mostrando-se aberrante da
prova, dela totalmente divorciada, a
despreze totalmente (não tenha apoio em nenhum elemento
de convicção), revelando ser puro ato de vontade, sem resquício da racionalidade que define a decisão jurisdicional - Sentença é ato
da razão, e não ato de vontade.
O Código de Processo Penal usa para definir tal
decisão da expressão
”manifestamente contrária” para
significar que assim se entenda , não a decisão
que signifique interpretação de
uma prova ou que acolha, entre duas versões, apenas uma delas, mas a que se mostre ao primeiro
exame profundo, como aberrante da prova (Manual de
Processo Penal Brasileiro. Vol. II, Págs.. 43/44. FREITAS BASTOS EDITOR, Rio,
1980).
MELCHIADES PICANÇO, notável Promotor Público, que tanto
glorificou a tribuna da
acusação pública nos Tribunais do Júri do
antigo Estado do Rio de Janeiro, em memorável trabalho sobre o “Tribunal de Apelação e o Tribunal do
Júri, rematou:
O papel do Tribunal de
Apelação em face do Tribunal do Júri não é, todavia, absoluto, ilimitado. ele é
limitado, é refreado pela própria lei, para que possa subsistir a
soberania do tribunal popular, cuja
função não pode ser substituída pela dos
tribunais de justiça, aplicadores do direito escrito, aplicadores da lei expressa.
No campo da Jurisprudência,
as decisão não são em sentido diferente,
Vejamos:
Quando se tratar
de julgamento pelo Tribunal do Júri, a apelação deve versar sobre o ponto principal da lide. Por conseguinte, não é admissível se o seu objeto é a pretensão
de cassar o privilégio do homicídio emocional e por via de
conseqüência submeter o réu a novo
julgamento pelo Júri. Apelação não conhecida (Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, 69/84, cf. também 55/86, 50/06 e 34/69 do mesmo repertório
jurisprudencial gaúcho).
E mais:
Apelação. Desprovimento do
recurso que pleiteou a anulação do julgamento
com fundamento na letra “d” do inciso III, do art. 593 do Código de
Processo Penal. Veredicto do Júri que encampa
versão emprestada aos fatos pelo réu, com apoio, ainda, na prova
restante
(Ac. un. da 1ª
Câm. Crim. do TJ do ant. Est., do RJ na
Ap. nº 18.550, de São Gonçalo, Rel. Des. Nicolau Mary Júnior. Publ. D.O de
02..3.73.)
E, ainda:
Júri. Não é manifestamente
contrário à prova dos autos, quando o veredicto do Tribunal Popular tem
respaldo em uma das versões do processo, dado que a demonstração é conflitante. (Ac. un. da 1ª Câm.
Crim. do TJ do ant. Estado do Rio de Janeiro, na Ap. nº 19.413, de Itaperuna. Rel. Des. José
Pellini, D.O de 16.6.73.))
E, também:
Júri. Veredicto absolutório.
Apelação do Ministério Público com fundamento
no art. 593, nº III, letra “d, do CPP. Não estando em manifesto antagonismo com a prova , a decisão dos jurados não pode ser cassada, sob pena de violar-se a soberania do Júri. Desprovimento do recurso.
(Ac.un. da 2ª
Câm. do TJ do ang. Est. do Rio de Janeiro, de Vassouras, Rel. Des. Elmo Guedes de Aroeira, publ. no D.O de
26.2.75).
E, por fim:
Júri - Absolvição - Versões
contraditórias. Emergindo dos elementos probatórios dos autos duas interpretações sobre o evento, não é manifestamente contrário
à prova dos autos o veredicto que
adota uma delas e absolve o réu ( Ac un, da 2ª Câm, Crim. do Tribunal de Justiça do Paraná, em RF
216/387).
Por conseguinte, tanto a doutrina como a
jurisprudência defletem para a posição de ver na circunstância qualificadora ou privilegiadora (no
caso em estudo, esta) elementos que versam sobre
o campo de fixação do gravame infligido
ao réu.
Nessa hipótese, a apelação
deveria ser alicerçada na letra
“c”:, do inc. III, do citado art. 593, vez que neste a lei assegura uma oportunidade para que se possa reparar situações de
erro ou de simples injustiça na individualização da pena; podendo a correção, nesse caso, ser feita na própria instância da apelação, sem necessidade de que haja um outro
júri, isto por se tratar de simples erro sobre a pena, que constitui ponto
secundário da causa.
Dessa maneira, tendo os Jurados, por maioria, condenado o acusado CLAUDECIR
RODRIGUES DA SILVA, por homicídio
privilegiado, não poderia a acusação,
como fez, apelar de tal condenação, com
fundamento no inc. III, letra “d”, do art. 593 do CPC..
Assim dispõe o § 2º, do ar.
593:
Interposta a apelação com fundamento no nº III, letra “c, deste artigo, o Tribunal ad quem, se lhe der
provimento, retificará a aplicação
da pena ou da medida de segurança.
Mas, o MP - apelante invocou a letra “d” como razão
de ser do seu recurso, e o fez buscando
um novo julgamento para ambos os acusados sob a alegação de que os
jurados incidiram em erro ao acolher a
tese do homicídio privilegiado, razão pela qual não pode sua apelação ser
conhecida, posto que essa
circunstância, com já exaustivamente demonstrado, se refere à pena, que é
aspecto secundário da lide, e não tipo
criminal.
Essa é a orientação
predominante nos tribunais, ou seja, a de que:
...a qualificadora ou privilegiadora,
sendo circunstância
simplesmente penal, constitui
ponto secundário da causa e não justifica por isso a apelação para renovação
de julgamento.
Assim é, porque o homicídio qualificado, bem como o privilegiado , não são tipos
delitivos autônomos, pois as circunstâncias exasperantes ou minorantes da pena representam
meras “accidentalia delicti “, e não “essencialia”, ou, em outros termos: a diferença entre o tipo fundamental de homicídio
e as formas qualificadas e privilegiadas é simplesmente quantitativa e
não qualificativa.
Desse modo têm decidido
os tribunais, e nesse passo podem
ser citados os arestos publicados
na Rev. Jurídica, 9/250; 34/320; Rev. Forense, 166/329; Rev. dos Tribunais,
298/112 (
in RTJTS nº 34, p. 69/70
Também a 3ª Câmara Criminal
TJRS, na apelação Crime nº 15.399, relator
Des. Anterio Ryff Leivas (RTJRS, vol. 50. p. 106).
E o que se quer dizer com isso?
Se quer dizer que a acusação, na hipótese em exame, não
pode pretender que o veredicto seja cassado em virtude de erro na admissão da
privilegiadora do homicídio emocional e nem que seja repetido o julgamento por
homicídio duplamente qualificado, como deseja a Promotora recorrente.
Em face do exposto, o
recurso de apelação interposto pela acusação não haverá de ser acolhido por
essa eg. Corte, porque a decisão do
Conselho de Sentença, que acolheu, em favor do acusado CLAUDECIR RODRIGUES, a tese do homicídio
privilegiado, brilhantemente sustentada, no plenário do Tribunal do Júri,
por sua ilustre e culta defensora, é intocável, e, por isso, não pode ser
anulada, para submeter os acusados a
novo julgamento, sem que, premissa
venia, constitua constrangimento ilegal. Crê, a defesa que os eméritos
Julgadores ad quem, entendendo assim,
haverão de rejeitar a apelação, confirmando, por conseqüências, a soberana
decisão do Conselho de Sentença, embora esta, pela ótica de defesa, não seja a
que mais se ajusta à realidade que
reflete dos autos, como seria a da absolvição dos acusados.
3.2. - EXAME DA REALIDADE
REFLETIDA DOS AUTOS
Admitindo-se, para
argumentar e somente para argumentar, que a lei processual possa permitir
apelação da decisão do Júri, com fundamento no inc. III, letra “d”, do art. 593, do CPP, mesmo quando a decisão
recorrida não se refira ao ponto principal da causa, que é o que
se entende com a procedência ou improcedência da acusação, versando
sobre a existência do crime; sobre a
autoria e sobre a responsabilidade
penal do réu, ainda assim, o recurso
de apelação, submetido a exame desta colenda Corte, não haverá de ser acolhido.
É que, permissa
venia, no entender do Apelado, é preciso ter muito coragem, muito arrojo e
muita inteligência para defender o ponto de vista de que a decisão recorrida
foi manifestamente contrária a prova dos autos; é preciso coragem, até
porque a improcedência da acusação irrogada aos acusados, sobretudo, a DEVALDIR VIARO, se evidencia,
exatamente, pela falta de idoneidade da
prova encartada no caderno processual. E, sobretudo porque, a prova acusatória, calcou-se nos interrogatórios
do acusado CLAUDECIR RODRIGUES, tomados perante a autoridade policial e não confirmados em Juízo e, tampouco, corroborados por quaisquer outros elementos
de provas sérios, idôneos, seguros e incontestáveis.
Nobres Julgadores, quando V.
Excelências, examinarem, como de costume, com
acuidade, sabedoria, equilíbrio e isenção de ânimo, toda prova dos
autos, para a formação do seu convencimento, haverão, com certeza, de concluir
que, a rigor, a acusação, a quem incumbia o ônus de provar as imputações feitas
contra os Acusados, não logrou êxito,
nesta importante empreitada, vez que não conseguiu produzir no caderno
processual nenhuma elemento probatório sério e concreto no sentido de
transmitir aos Juizes de Fato a certeza da procedência das imputações
atribuídas aos Apelados, na denúncia e sustentadas no libelo crime
acusatório.
A prova, sobretudo, a oral produzida no caderno processual, é visivelmente fraca, contraditória,
parcial, dúbia e, por conseqüência, sem
nenhum valor probante. Na verdade, ela enseja, somente dúvidas, duvidas e
nada mais.
Em sendo assim, os Srs.
Jurados não tinham outra alternativa, pelo menos em relação ao apelado DEVALNIR VIARO, senão a de absolvê-lo, como, de fato, o
absolveram, pelo que o seu veredicto não merece nenhuma censura.
A absolvição do acusado
supracitado se impunha, no mínimo, em razão da dúvida criada nos autos, pela
ausência de prova séria e idônea. In
dubio pro reo, decide-se a séculos e séculos.
Em suas razões, na difícil,
senão impossível, tarefa de tentar
demonstrar que a decisão dos Jurados
teria sido manifestamente contrária à prova dos autos, a Dra. Promotora,
conjeturando, escreveu:
que consta dos autos que, no dia 13 de novembro de 1998, por
volta das 22h30min, no assentamento Floresta Branca, o réu Claudecir, fazendo uso
de uma espingarda, efetuou vários disparos contra a vítima José Noeilson da Silva,
produzindo-lhe os ferimentos descritos no laudo de Exame Necroscópico de f.
36/36.
Basta esse primeiro relato
da nobre e culta representante do
Ministério Público, para demonstrar que a própria acusação acabou perdida no
labirinto probatório, por ela própria criado, o que a levou ao desespero, a
ponto de fazer afirmações, com a devida venia, absurdas. incoerentes,
destituídas de lógica e bom senso, como, por exemplo, a do horário em que o denunciado Claudecir teria desferido os tiros na
vítima, que , segundo ela alega, teria sido por volta das 22,30 horas.
A denúncia de fls. 02/04,
narra, com requinte de detalhes, como teriam ocorrido os fatos e, realmente,
precisa a hora em que o denunciado
Claudecir teria feitos os disparos que resultaram na morte da vítima,
confirmando que esses disparos aconteceram
por volta das 22h30min, do dia 13 de novembro de
1998.
Ora Excelência! Se os tiros que causaram a morte da vítima foram
desferido, conforme narrado na peça vestibular acusatória e, agora, nas razões
recusais da acusação, por volta das 22,30 hs, então, pode-se-ia afirmar, que
eles não foram desferidos pelo denunciado Claudecir, isto porque, a própria
mulher da vítima, DULCE AQUINO BARBOSA,
afirmou, no primeiro depoimento que fez
à autoridade policial (fls. 13 /14), e confirmou nos demais que prestou, inclusive em juízo, que, no dia 13/11/98, por volta das 21:50 horas,
preocupada com a demora de seu companheiro, foi a casa de seus vizinhos mais próximos, explicando o
ocorrido, sendo que os irmãos VALDO (apelido de Valdecir) e CLÁUDIO (como é conhecido o r.
Claudecir) foram
ao local indicado pela declarante, sendo que em seguida
retornaram afirmando que a égua estava
amarrada e que o chapéu do seu
companheiro estava no pasto, bem como
havia marcas de sangue, sendo que com
medo retornaram para comunicar o fato.
Declarou mais, a mesma
informante, que em companhia do tio da declarante sr. Miguel, mais outras pessoas
que não sabe nominar foram ao local,
sendo que neste momento a égua já estava
solta; que acompanharam as marcas
de sangue deixadas no pasto e distante cerca de trezentos metros onde estava o chapéu foi encontrado em óbito
o corpo da vítima, o qual foi atingido por disparo de arma de fogo (depoimento de fls.13/14).
A Testemunha MIGUEL DIAS DA SILVA, tio da vítima, no
depoimento que prestou a Autoridade Policial, declarou que, por volta das 22:00
horas estava em sua casa, dormindo,
quando foi chamado por CLAUDIO e seu irmão VALDO que informaram
que LE, nome verdadeiro da vítima,
havia ido apanhar seus animais
no pasto e não retornou, sendo que a esposa da vítima pediu aos irmãos
para irem verificar, sendo que estes encontraram no local marcas de sangue, o
chapéu da vítima e a égua amarrada; que foram
ao local e distante cerca de
trezentos metros onde foi encontrado o chapéu, foi encontrado o corpo de vítima,
em óbito, o qual foi alvejado por
disparo de arma de fogo.(depoimento de fls.15/16).
A testemunha AGNALDO CARVALJHO MENDONÇA (fls. 17), assim como os irmãos CLAUDECIR RODRIGUES DA SILVA, vulgo “CLAUDIO” e VALDECIR RODRIGUES DA SILVA, vulgo “VALDO” confirmam, a mesma versão.
Sendo assim, resta provado,
que o acusado CLAUDECIR RODRIGUES DA SILVA, por volta das 21,50 às 22:00 horas,
foi encontrado em sua casa pela própria mulher da vítima e, logo, não poderia ser ele quem, às 22:30
horas, teria desferido os tiros na vítima, causa da morte desta, vez que, mais
de uma hora antes ele foi encontrado em sua casa pela própria mulher da vítima
e, mais tarde, pelo tio desta.
Portanto, Excelências, as dúvidas
que se destila deste processo, começa pela a da hora dos disparos que
causaram a morte da vítima, que o órgão
acusador narra como tendo sido por volta da 22,30 horas, o que é desmentido pelo LAUDO
DE EXAME DE CORPO DE DELITO de fls. 36, que dá a hora da morte da vítima como tendo sido as 18,30 hs, sendo que esta última não restou
confirmada por nenhum outro elemento de prova produzido nos autos.
E, Excelência, existem mais
contradições absurdas e inexplicáveis,
no intricado labirinto probatório em que se perdeu a acusação,
relacionadas também com o horário em que teria ocorrido o crime imputado aos
acusados.
Vejamos:
O acusado CLAUDECIR RODRIGUES DA SILVA, vulgo “Cláudio”, no depoimento (fls.18) prestado na fase policial, ainda como
testemunha, e VALDECIR RODRIGUES DA SILVA, vulgo “Valdo”, quando depôs, também na Polícia (fls.19), afirmam, como já
esclarecido antes, que, a pedido da mulher da vítima, por volta das 22:00 horas, teriam procedido buscas no pasto
existente no assentamento(sic), pois o lavrador LE havia ido apanhar sua égua e não mais voltou (sic);e
informaram mais: que foram ao local indicado, onde
encontraram com a égua amarrada e o chapéu da vitima perto, sendo
que havia marcas de sangue (sis), o que é confirmado {conforme também já
demonstrado nesta contra razões) pelas testemunhas, Miguel Dias
da Silva (tio
da vítima) (fls. 15/16), e Agnaldo Carvalho Mendonça (fls. 17), e confirmados, também,
pode-se assim dizer, pela própria autoridade
policial, vez que o sr. Delegado de
Polícia, dr. Claudineis Galinari
(as fls.
212/213) declarou que: tão logo ocorreu o crime os agentes policiais estiveram no local...
Pois, pasmem, Excelências.
Consta, ainda mais, dos depoimentos supracitados, consta que os irmãos Claudecir e Valdecir,
quando retornaram pela segunda vez ao local dos fatos, acompanhados da
testemunha Miguel Dias da Silva (que se disse informante da próprio
polícia) e de outras
pessoas não indetificadas, teriam
seguido as manchas de sangue que lá encontraram, às 22:00 horas, e, assim,
chegado até o corpo da vítima, em óbito.
Essa estória é absurda, e
nela nem o diabo acredita. Pois nem que
as pessoas acima citadas estivessem acompanhadas do melhor cão farejador ou
fossem elas vampiras, acostumadas ao odor do sangue, às 22,00 horas, que no horário oficial de Brasília corresponde às 23,00 hs, mesmo que em noite de
luar, ou que estivessem elas portando
lanternas, não poderiam, ter encontrado e seguido manchas de sangue no matagal
e na macega alta e densa existente no local, onde a vítima teria sido abatida a
tiros, conforme demonstram as fotografias, especialmente as de fls.42 a 44.
Cumpre esclarecer, que a
testemunha principal da acusação, Miguel
Dias da Silva, no depoimento que prestou, em plenário, quando do julgamento
dos acusados, portanto, na presença dos Srs. Jurados, instruída, tentou
modificar o horário em que teria sido procurada pelos irmão Rodrigues da Silva, alegando
que teria sido procurada por estes, por volta das 06;00hs (da
tarde, por certo), afirmando que eles estavam normais e que
apenas disseram que tinham visto o chapéu da vítima. Disse mais, a mesma
testemunha: que acharam dois cartuchos onde a vítima estava deitada; que não tinha
conhecimento de que não podia mexer em nada
no local do crime; e que os galhos
tinham sido colocados no local e dava para esconder uma pessoa.
Nobre Julgadores, ainda que
estória contada pelos irmãos Valdo e
Cláudio e a testemunha Miguel, tenha acontecido as 18:00 hs, como procurou remendar o
último, não as 22:00 horas do dia
13.11.98, mesmo assim, ela continua absurda e inacreditável,
pois, quer nesta ou naquela, tais pessoas
não poderiam ter encontrado, no local onde teriam ocorrido os fatos, nem sangue, nem cartuchos e, muito
menos, o corpo da vítima, e isto, por uma razão óbvia: É que TANTO AS 18:00, QUANTO ÀS 22:00 HORAS, A VÍTIMA AINDA NÃO HAVIA LEVADOS OS TIROS,
A VÍTIMA AINDA ESTAVA VIVA, visto que sua
morte teria acontecido às 18:30 hs., segundo o LAUDO DE EXAME DE CORPO DE DELITO (fls. 36) ou às 22:30 hs.,
conforme narra a Denúncia (fls. 02/04). As 18:30hs não poderia ter sido, porque a essa hora ela
(vítima) saiu de casa para pegar a égua no pasto:
às 22:30 hs., sim, mas, então, o autor dos
tiros que lhe tirou a vida, não foi o acusado CLAUDECIR, porque este, meia
hora antes, acabara de sair de sua
casa, acompanhado das pessoas antes mencionadas, com destino ao local onde foi
encontrado o corpo de Lê, já em óbito.
Prosseguindo no exame do
labirinto probatório em que se perdeu a
douta acusação, verifica-se que ela
buscando encontrar, desesperadamente, uma saída, escolheu como seu cavalo
de batalha o interrogatório prestado na Polícia da cidade de Sorriso-MT (fls.111), pelo acusado Claudecir, no qual ele teria confessado
que matou a vítima, e que fora pago
pelo apelado Devalnir para praticar o crime e que, depois de verificar que
ela (vítima) estava morta, com uma faca, que carregava, lhe cortou a orelha e enterrou
no mato próximo a um coqueiro, na mesma
hora, e, por fim, disse haver, na terça-feira depois do crime,
recebido, de Devalnir, o dinheiro combinado.
Acontece que, em Juízo o
mesmo acusado CLAUDECIR, interrogado
(fls. 395) , negou categoricamente que tenha
matado a vítima a mando do Apelado
Devalnir e o fez nos seguintes termos:
Esclarece que realmente
matou a vítima mas porque no dia
e local descrito na denúncia pararam a discutir porque a vítima desconfiava
de um caso que eu tinha com a mulher
dele, daí eu perdi a cabeça e
como estava com a arma
acabei atirando; no momento não
se recorda o que a vítima falou; que ia
passando pelo local onde ia ca’xar; a vítima estava há uns dez
metros ou menos quando recebeu o
primeiro tiro; quando deu o primeiro tiro
a vítima caiu, mas levantou-se e
veio para cima de mim e dai eu dei o segundo tiro;
sendo que a vítima caiu novamente e não mais levantou; dai eu
dei mais um tiro quando a vítima ia levantar-se; usava a arma apreendida que
foi lhe mostrada; deu os dois tiros e depois recarregou a arma e deu o outro
tiro; o último tiro estava a quatro metros
da vítima; embora tivesse a
intenção de se defender perdeu a cabeça; não sabe explicar porque municiou
a arma novamente e deu o terceiro tiro na vítima;; não se recorda onde
pegou o último tiro; ao que se lembra o primeiro tiro pegou no ombro da vítima; o segundo tiro
não se lembra onde pegou; depois de vítima caída ao chão cortou a orelha da mesma com a faca que foi
apreendida que ora lhe foi exibida; cortou a orelha da vítima e
deixou próximo ao local; a orelha ficou
próxima da vítima; que era amigo da vítima e às vezes freqüentava a casa dela;
conhecia também a mulher da vítima mas
não tinha um caso amoroso com a mulher da vítima; ...não sabe porque estava
sendo acusado de matar a vítima a mando do co-réu; que conhecia o co-réu mas não tinha amizade e ia pouco a
sua casa; o interrogatório prestado na Polícia não é verdadeiro e falou tudo isso porque estava nervoso e com medo; o interrogatório de
fls. 125, prestado nesta Delegacia de Polícia local também não é verdadeiro e falou tudo aquilo porque estava nervoso e confuso; reafirma que o co-réu nada
tem a ver com o crime (grifei)..
Faz-se oportuno que se
esclareça que o acusado Claudecir prestou, na fase nada mais, nada menos
do três interrogatórios, isto sem contar
as declarações que prestou no início das investigações, ainda como testemunha (FLS.18): (1) o primeiro (FLS. 73),
prestado em 22/7/98 à Autoridade Policial de Eldorado, na presença do DP, Dr.
Claudineis Galinari, sem que lhe fosse nomeado
o indispensável curador, es que menor de vinte e um anos; (2) o segundo (FLS.111/112), no dia 31/8/99, na presença dos Delegados de Polícia
Drs. Onildo A. Palhari e Dr. Claudineis Gallinari, desta feita na Delegacia de
Sorriso - MT,
onde o referido
acusado havia sido preso sete dias antes ou seja no dia 24/8/99, constando que
nessa ocasião lhe teria sido dado curador, na pessoa da Policial Márcia Massako Sakamoto Pessoa e que esta
teria estado presente no interrogatório; (3) terceiro (FLS. 123/124), no mesmo dia 31/8/99, na
Delegacia de Sorriso-MT, perante os mesmos Delegados de Polícia , Dr. Onildo A.
Palhari e Dr. Claudineis Gallinari; (4) quarto e último, no dia 1º/9/99, novamente em
Eldorado/MS, na presença do Del. DR. Claudineis Gallinari e de um curador na
pessoa de Ismael da Silva
Rodrigues.
Analisando-se esses quatro interrogatórios, verifica-se que os três últimos foram tomados para completar o
primeiro e com a nítida impressão de adaptá-los à versão que a autoridade policial pretendia dar aos fatos, vez
que acabaram sendo retratadas com
convicção e firmeza, nos interrogatórios prestados, respectivamente, perante o Juiz togado (fls. 165) e perante o Conselho de Sentença (fls.), a estas, se pode dar valor relativo; aquelas, valor nenhum.
É que, por mais que se
queira acobertar os erros do sistema, ninguém de são consciência, e com um
mínimo de honestidade e vivência, pode ignorar
que a polícia, não poucas vezes, se vale de métodos mediavais e
desumanos para estorquir confissões
de inocentes, os quais, para não
sucumbir ao sofrimento físico, nas salas
escondidas da violência e do horror, e por vezes nas beiras de rios onde
são submetidos a afogamentos, acabam por
admitir a autoria e a culpa de crimes
que não cometeram.
Portanto, em se tratando de confissões prestadas à
Autoridade Policial, notadamente, quando, como in casu, houver retratação
em Juízo, devem os julgadores examinar
com acuidade, sabedoria, equilibrio e isenção de ânimo toda a prova do
autos, para a racional formação do seu convencimento. Foi, exatamente, o que
fizeram os Srs. Jurados, quando do julgamento dos acusados pelo Tibunal do
Júri. S. Exas. só deram valor aos
interrogatórios prestados em Juízo, por ambos os acusados.
Reconheceram que Claudecir agiu sob o domínio da violenta emoção e logo em seguida de
injusta provocação da vítima, e que, no
delito que ceifou a vida desta, Devalnir
não participou, de nenhum modo.
A decisão dos Srs. Jurados,
portanto, merece aplauso e não censura, porque o arbítrio nunca deve estar acima do direito,
até porque o resultado do arbitro policial é, muitas vezes, um desafio à
própria Justiça.
O professor Dr. Fernando da Costa Tourinho Filho, depois
de mencionar várias hipóteses de
possíveis falsidade da confissão,
conclui, com muita propriedade:
O Estado não quer que o
inocente pague pelo verdadeiro culpado. Há, pois, interesse público em jogo,
devendo o juiz confrontar a confissão
com as demais provas, pesquisando possível compatibilidade ou
concordância, para não incidir no erro
de aceitar uma auto-acusação falsa (Processo Penal, vol. II, págs. 1.033/1.034)
Assim, se não se pode aceitar de pronto, sem exames e confrontos, a confissão do acusado,
como arrimo da decisão, muito menos se poderá fazê-lo quanto à negativa dos fatos que lhe são imputados. Na hipótese
em estudo, o acusado DEVALNIR não só
negou, mas apontou fatos que corroboram a
sua negativa.
O acusado CLAUDECIR
confessou, na fase judicial, que
matou a vítima, em estado de legitima
defesa putativa e negou que a tenha matado, sob paga e
a mando de DEVALNIR. Este, negou ter concorrido de qualquer modo para com o crime que, aquele,
admitiu em juízo, espontânea
e sinceramente, ter praticado, mas
não pelos motivos ou nas circunstâncias
constantes da acusação; fez uma
confissão qualificada.
O Conselho de Sentença agiu com acerto, bom senso e espírito de justiça,
tanto ao optar por dar crédito à confissão do acusado
CLAUDECIR, acolhendo a tese do homicídio
privilegiado, defendida, em plenário, pela sua competente e culta
defensora; quanto em aceitar a negativa
do apelado DEVALNIR, no sentido de não
ter participado de modo algum do aludido
homicídio. Entendo desse modo, absolveu
este, e condenou aquele,
admitindo em seu favor a ocorrência da privilegadora do homicídio
emocional. Seu soberano veredicto, não merece
censura e, muito menos, reforma,
impondo-se a confirmação dessa colenda
Câmara.
A decisão dos senhores
Jurados não merece reforma porque, em
que pese os esforços da acusação, nos autos, não há prova séria e concreta, capaz de dar a certeza da procedência das
imputações feitas a qualquer dos acusados. Muito pelo contrário, a acusação não
logrou provar nada do que articulou na denúncia e sustentou no libelo crime
acusatório. Limitou-se pinsar dos depoimentos prestados na fase
inquitória, por pessoas suspeitas e com
vínculos afetivos com a vítima e seus familiares, alguns, por sua iniciativa,
reprisados em juízo, frases soltas a que atribui força e sentido que elas não
tem, na ânsia desesperada de condenar os acusados à pena máxima.
Na verdade, bem examinado os
presentes autos, há que se concluir este
processo, em matéria de prova, deixa a desejar desde o inquérito. A autoridade
Policial, se não foi totalmente incompetente nas investigações para apuração
dos fatos que resultaram na morte de
José Noeilson, foi negligente e descuidada, na medida em que deixou de
realizar diligências e de ouvir quem devia ser ouvido, para a melhor elucidação
deste não tão compricado e controvertido evento delituoso.
As pessoas chamadas a depor,
pelo Autoridade Policial, sem nenhuma exceção, ou apenas tiveram conhecimento
dos fatos através de terceiros, ou eram parentes da vítima e, por isso, tinham
manifesto interesse no resultado das investigações e na posterior
condenação dos acusados, a ponto, inclusive, de narrem dados e
fatos, sem a necessária convicção de serem verdadeiros, ou até os
sabendo falsos.
Vejamos:
DULCE AQUINO BARBOSA, esposa da vítima, portanto, informante e não
testemunha, informou que:
que ouviu comentários que
crianças viram a vítima beijando a mulher
de Devalnir na bomba d’água;
ouviu comentários que a esposa de Devalnir propôs à vítima para fugirem juntos mas esta teria recusado;
MIGUEL DIAS DA SILVA, tio da vítima, declarou no primeiro depoimento que
prestou à Autoridade Policial que
no Assentamento o comentário entre moradores dão conta (sic) de que Devalnir foi o autor do homicídio, bem como há
comentários do Assentamento (sic) de que o sr. Neri de Tal,
proprietário de um sítio vizinho
ao suspeito (sic) viu na noite do crime
uma pessoa com uma espingarda nas
costas indo em direção a casa do suspeito Devalnir; que o depoente
afirma que os moradores do acampamento tem conhecimento de que Devalnir ameaçou de morte a vítima, isto em razão de ciúmes, pois a esposa do suspeito Devalnir estaria tendo um
caso com a vítima.
Em Juízo, a mesma
testemunha, declarou que
a vítima não falava se
Devalnir fazia ameaças ou não à vítima... a vítima nunca
confirmou que tinha um caso com a mulher
de Devalnir, mas havia essa suspeita no Assentamento; ... que ficou
sabendo por comentários que a mulher de Devalnir e a vítima teriam sido
vistos na roda d’água, mas não ficou sabendo que fez esses comentários... .
É de se perguntar,
Excelências: Por que a Autoridade Policial não diligenciou no sentido de ouvir
o Sr. Neri de tal? Por que não procurou ouvir alguns moradores do Assentamento,
de preferência não ligados às famílias da vítima ou dos acusados, visando
esclarecer os fatos?
AGNALDO CARVALHO MENDONÇA, no depoimento que prestou
em Juízo (fls.
184), declarou:
que não tem conhecimento se
a vítima tinha relacionamento com a mulher
do co-réu Devalnir...
ROSALINA DE FÁTIMA CHAVES VIARO, esposa do apelado Devalnir,
em juízo, no dia do julgamento deste, declarou:
Nada sabe sobre a morte da vitima; nunca teve nenhum relacionamento com a vítima, surgiu comentários depois do
crime que eu tinha um caso com a vítima, mas é mentira.... que Devalnir nunca
perguntou antes do crime sobre comentários de envolvimento da declarante com a vítima; não sabe se
Devalnir chegou a perguntar para a
vítima sobre esse caso amoroso... que seu depoimento prestado na Policia
de fls. 29 tem muitas coisas
que não é verdade, como: a história
dos dois mil reais para matar o co-réu Devalnir... os
comentários que seu marido fez a
respeito do seu envolvimento com a vítima foram feitos depois
do crime; antes nunca conversaram sobre esse fato; que não ouviu
comentários de que estaria na roda dá
água com a vítima..
VALDECIR RODRIGUES DA SILVA, irmão do acusado
Claudecir, em Juízo (fls. 186),
declarou:
que não teve
conhecimento que Devalnir tenha pedido
para Adão para matar a vítima; ... que sobre o seu depoimento de fls. 33 tem a dizer que declarou o ali
contido a peido da mulher e do tio da
vítima e isso porque eles disseram que não tinha como pegar o Devalnir... que
no seu depoimento de fls. 73 tem a dizer que disse o ali contido
porque pedido pela esposa e tio
da vítima; que falou porque essas
pessoas pediram, mas nenhuma
intenção tinha de incriminar o co-réu
Devalnir; que o co-réu Devalnir não procurou o depoente para matar a vítima;
ADÃO ALVES DA SILVA, em Juízo (fls. 188) declarou:
que conhece o co-réu
Drvslnir há dois anos e pouco; que não são vizinhos de lote; que conhecia a vítima também a bastante tempo; que o co-réu Devalnir tinha um veículo e era o depoente quem o dirigia na hora de precisão; que não sabe se tinha
boatos que a vítima saia com a mulher do co-réu Devalnir; que conhece a testemunha
Miguel, desde antes do assentamento; que sobre o seu depoimento de fls. 52, tem
a dizer que Miguel foi quem mandou falar
tudo aquilo...que esclarece que quando chegou na Delegacia o depoimento já
estava pronto e somente assinou o papel; que Devalnir nunca disse para o depoente matar a vítima; que não sabe se a vítima
tinha um casso com a mulher do
co-réu Devalnir; que não chegou a falar
com a família do co-réu Devalnir
depois do crime.
O apelado chama a atenção de
Vossas Excelências, nobres Julgadores de segundo grau, sobre o depoimento que
essa testemunha teria prestado à
autoridade policial (fls. 52)
para que observem a maneira como ele foi
datilografado, com técnica e correção, sem erro ortográficos, bem diferente dos
demais tomados na fase policial, o que, sem dúvida confirma ter sido o dito
depoimento adedre preparado para que a testemunha simplesmente, nele
colocasse sua assinatura
CLAUDINEIS GALLINARI, Delegado de Polícia de
Eldorado -MS, no dia do julgamento dos acusados, inquirido perante o Conselho
de Sentença, declarou:
que apurou o crime; que
quando assumiu a presidência do inquérito
as diligências já tinham se iniciado, inclusive com o
indiciamento de um dos autores ... que foi o declarante quem
tirou as fotos do local onde o co-réu indicou que enterrou
a orelha... que Miguel também
dava informações; que Miguel tio da
vítima foi quem pediu para que Adão fosse ouvido; ; que não sabe
dizer quantos dias depois que Miguel foi ouvido
ouviu o Adão... que curadora nomeado em Sorriso era brasileira, de
cabelos pretos (na verdade era de origem
nipônica)
JOSÉ DOS SANTOS, em Juízo (fls. 222),
declarou:
que nada sabe sobre os fatos
narrados na denúncia; que nunca ouviu falar que
a esposa de Devalnir o traia
com a vítima; que depois que aconteceu o
crime surgiu este comentário; que
conhece Miguel não sabendo se ele é violento, e le deu uma de querer ser líder mas a turma não
aceitou, porque ele queria fazer as coisa contra a lei; que nunca ouviu
comentários s se Devalnir havia procurado alguèm para matar a vítima.
JOSÉ ALVES SALES, em Juízo (fls. 287), declarou:
que nada sabe sobre os fatos
narrados na denúncia; que não ficou sabendo de nenhum envolvimento amoroso da mulher da vítima com o co-réu Devalnir; que depois do crime
surgiu comentários de que a mulher do réu Devalnir traia ele mas o depoente não sabe com quem;
que Devalnir e mulher viviam bem; que pepois do crime o réu Devaslnir permaneceu no assentamento por
muito tempo... que conhece Miguelzinho do acampamento sendo ele conversador
“tem a língua muito grande; que à
época do acampamento Miguelzinho tentou ser líder mas não conseguiu.
JOÃO SILVESTRE DE BORBA, Presidente da Associação dos Pequenos Produtores
do Assentamento Floresta Branca - em Juízo (fls. 220) declarou:
que nada sabe sobre o crime;
que conhece o co-réu Devalnir há seis anos de Paranhos sendo que o tem como pessoa
boa e trabalhadora; que não sabe o por que da morte da vítima; que não
sabe se a vítima tinha fama de namorador;... que ao que sabe a esposa de
Devalnir não tinha caso amoroso com a
vítima, e isso porque ela morava vinha com o depoente, e sempre que a via
estava com o marido ou com a filha; que não escutou comentários que
Devalnir era traído pela mulher;
que não escutou comentários de que Adão
e Valdecir teriam sido procurados por Devalnir
para matar a vítima... que surgiu
comentário dentro do assentamento que Claudecir
tinha um caso com a mulher da
vítima; que esse comentário surgiu nos dias
do crime, ou seja, no dia seguinte ao
crime; que não foi procurado por ninguém para vir depor; que nunca ouviu dizer
que Devalnir procurou Adão e Valdecir
para que matasse a vítima... que Devalnir não vendeu o lote mas sim
desistiu do mesmo entregando-o ao INCRA; que Devalnir tinha quatro
cabeças de vacas financiadas.
Eméritos Julgadores! Este é
o conjunto de provas que a acusação produziu no processo, um amontoado de
mentiras, contradições, mistificações e falsidades. Será que com uma prova
assim, que não prova nada, que a dona da acusação pensa arrancar de Vossas
Excelências a reforma de um veredicto correto e justo proferido pelo soberano
Conselho de Sentença que houve por bem de condenar o apelado CLAUDECIR RODRGUES DA SILVA,
reconhecendo em favor dele a previlegiadora
do homicídio emocional e de absolver o apelado DEVALNIR VIARO, por concluir que o mesmo não teve qualquer
participação no evento delituoso que resultou na morte da vítima José Noeilson da Silva?. Não, com
certeza não conseguirá. E não conseguirá porque, Vossas Excelências, sábios,
humanos e, sobretudo justos, estão ai para impedir, até porque a liberdade do cidadão
é valor muito sério, elevado
demais, para ficar à mercê de embustes e artimanhas.
O que se consegue extrair desse conjunto de inverdade e
contradições, calcados em comentários de pessoas anônimas, em meros boatos, fofocas e disque - disque
comuns em lugarejos do interior, senão incertezas e dúvidas; dúvidas e
incertezas e nada mais.
Para condenar-se, as provas
devem ser plenas, cabais, inconfundíveis e, em casos dessa espécie, é melhor
absolver um criminoso, por falta de provas, do que condenar um inocento com
provas insuficientes.
Os processos são, quase
sempre a busca de uma condenação a qualquer preço, não o trabalho cientifico de
quem procura desvendar o crime para encontrar o culpado.
Vai-se a procura de um
culpado e este será o responsável pelo crime, mesmo que as provas não
convençam. Não se examina, na fase do inquérito, a vida social,
econômica, emocional e o estado em que se encontra o autor do delito antes de
praticar o ato delituoso.
E o que é pior, muito pior,
muitos policiais e até mesmo pessoas de certa instrução, revoltam-se contra os
advogados criminais que sabem explorar essas falhas processuais. Revoltam-se
argumentando que não compreende como é que um advogado tem coragem de defender
certos indivíduos.
Excelências, ao julgarem
este recurso, considerem o aspecto de que ninguém assistiu o desenrolar dos
fatos, que não existe prova séria, concreta,
objetiva segura, que dê certeza real de que o apelado DEVALVIR VIARO tenha de qualquer modo
participado da ação delituosa que lhes é submetida a exame e, em face de um princípio constante de todas as codificações de direito penal, de um princípio até de
direito natural, que deve nortear a consciência de qualquer julgador, lúcido e
consciente de seu sagrado dever da julgar, que é o princípio salutar do in dúbio pro reo, neguem provimento ao presente recurso de apelação,
não reconhecendo a alegação da doutra Promotora-apelante de que a decisão dos srs. Jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos, e, por
conseqüência, confirme o correto e justo
veredicto do eg. Conselho de Sentença
que absolveu o aludido apelado, por não existir prova de que tenha ele, de
qualquer modo, participado do evento delituoso da responsabilidade exclusiva ao
acusado CLAUDECIR RODRIGUES DA SILVA, cuja condenação por homicídio privilegiado, se
impõem, também, à confirmação.
O Conselho de Sentença que
julgou os Apelados, Excelências, mostrou-se
à altura de sua elevada missão.
Não se intimidou com o que se propalou fora dos autos, não deu ouvidos
às intrigas e às pressões. Julgou
com verticalidade e altivez.
A justiça dos Jurados que
decidiram o destino dos Apelados há de passar ilesa, envolta por um
esplendor de respeito e admiração, pela coragem
e pela independência, como decidiram esta causa.
Não julgaram com
indiferença, porém com plena consciência
da grave incumbência que lhes foi confiada.
Ouviram tudo e viram
tudo atentamente durante o tempo em que durou o julgamento. Não
trepidaram um momento sequer. Não
cederam e nem abdicaram de seu dever: fizerem Justiça.
Não tomando conhecimento da
preliminar de nulidade posterior à
pronúncia, rejeitando-a, pela sua
manifesta improcedência; e, no mérito, negando provimento ao mesmo recurso, por não ter sido
a decisão do Tribunal do Júri
manifestamente contrária à prova dos autos, a Egrégia Câmara ad quem fará a necessária e indefectível
JUSTIÇA.
ELDORADO. MS,
09 de outubro de 2000.
JOÃO NEUDES
DE LUCENA
DEFENSOR
OAB/PR 7861