AUTOS Nº 27/87
MM.JULGADOR
MACIEL DOS SANTOS KOBER PRIYR
MAYA JUNIOR foi denunciado pelo crime
de furto (art. 155, caput) , duas vezes, combinado com o art. 71, abos do
Código Penas).
Mas
que é MACIEL DOS SANTOS KOBER
PREYER MAYA JUNIOR? Um criminoso ou mais oua vítima da
desorganização social em que vivemos?
MACIEL DOS SANTOS KOBER MAYA
JUNIOR é um jovem sul africano, pobre,
desempregado, que depende de seus próprios recursos
para manter a sí e sua mulher que está preste a
dar à luz um filho - o que já deve ter acontecido. È preto. E,
certamente por ser preto, foi o que o motivou a
deixar seu habite natural, sua pátria - a África do Sul - onde,
sabemos, impera o regime racista mais odiado do
mundo, para procurar em outras plagas os anseios maiores
de todo o ser humano; LIBERDADE, JUSTIÇA
E AMOR.
Foi
assim, na busca desses ideais inatingíveis, que o denunciado chegou
ao Brasil e,aqui, sabe-se lá, o que passou.
Diz,
em seu interrogatório, que chegando em nosso País, com seus genitores, fixou
residência no Rio de Janeiro, de onde, conscientemente, saiu, com a a
mulher, vindo parar em Rondon, nesta Comarca, na cadeia, acusado dos
fatos que lhe são atribuídos na peça vestibular acusatória: o
furto de dois cheques e de uma calculadora - o desta ele
confessa, o daqueles, nega.
Após,
concluída a instrução processual, o douto representante do Ministério
Público, desta Comarca, por certo enfrentando tremendo
drama de consciência, porque humano, sensível e justo, ao arrazoar
o presente processo, para não fugir ao se dever de
ofício, concluiu por pedir a condenação do acusado,
apenas pelo furto da calculadora, já que
não encontrou, nos autos, provas que esclareçam seja ele o autor
do outro
A
defesa não aceita a condenação do acusado, por nenhum dos fatos
narrados na denuncia de fls. 2, visto que não os considera
crime. Assim pensa, porque não concebe como criminoso o fato de um
jovem que, sem emprego e sem recursos, furta para obter
condições materiais que possibilitem o nascimento de seu próprio
filho.
O
comportamento de um jovem que age em tal circunstância
está rigorosamente enquadrado no "estado de
necessidade", reconhecido, não só pelas legislações dos povos
civilizados, mas que a própria "legislação
mosaica", do povo Judeu antigo, há cerca de
quatro mil anos, já reconhecia, quando colocava a proteção da vida
humana acima de qualquer bem material.
Modernamente,
mais do que nunca, não se considera criminoso
quem fere algum direito agindo em "estado de necessidade", desde que presentes, como no caso em
exame, vários requisitos que descaracterizam o fato como
crime.
Examinando
o assunto, quando da elaboração do projeto para o novo Código Penal
brasileiro, o Professor Miguel Reale Jr. um dos mais respeitados
criminalistas de nos País, com vigor científico, visão humanista e
inspiração na justiça social, acentuou:"o
interesse social legitima os comportamentos efetuados ou situação de necessidade,que
visam salvaguardas a bem superior em prejuízo de outro inferior"
E
para ilustrar de modo bem evidente essa afirmação lembra Hengel, no
século passado, de maneira incontestável, q”ue o direito à vida prevalece sobre qualquer outro,
dada a sua natureza de valor absoluto.”
Destarte,
o denunciado praticou o furto da calculadora, como de fato o
fez, porque sem ele seria muito difícil
proteger a integridade física de sua mulher ou a vida
de seu filho por nascer, mas não cometeu o crime de furto, porque a
proteção da pessoa humana vale mais do que o objeto furtado.
É o professor Reale Jr. quem lembra que o Código
Penal alemão estabelece que: "a
ação não é punível se o agente a pratica em
situação de necessidade para salvar a vida ou a
integridade física própria ou de um parente".
No
caso em análise, a aplicação dos princípios sobreditos, se impõe
como um imperativo de direito e de justiça.
Resultou
claro nos autos que o acusado furtou a calculadora, de irrisório
valor monetário, por se achar em situação dramática e
desesperadora, necessitando de dinheiro para atender a
mulher preste a dar-lhe um filho... Era evidente nesse caso,
que estavam sendo prejudicados o direito à
integridade física e a própria vida, tanto da mulher do réu, quanto
do seu filho.
È
evidente que o denunciado e, muito menos sua mulher e o seu futuro
filho não provocaram a situação de perigo, que é
decorrência da ordem social injusta vigorante no
Brasil, bem como da cegueira e da imoralidade dos que
detêm o poder econômico e político no País. Aliás, se
não existem outros argumentos, o acusado poderia
invocar, em seu favor, a igualdade de todos perante ea lei, de que
fala a Constituição, pois notórios ladrões do dinheiro do
povo andam solto por aí, alguns até ocupando altos postos no
governo da Nação. E, assim, ninguém com alguma sensibilidade moral
sustentará que o direito patrimonial do cirurgião
dentista, proprietário da calculadora subtraída pelo acusado, é mais
valioso do que o direito à integridade física de
uma mãe e à vida de seu futuro filho.
Desse
modo, demonstrado fica que o jovem sul-africano, não cometeu crime algum,
pois agiu em evidente estado de necessidade e se
sacrificou em defesa da integridade física de sua
mulher e de seu filho, por nascer. Condená-lo, data vênia, seria uma
imoralidade.
A
defesa pede, pois, a absolvição do acusado.
Cidade
Gaúcha, 25 de junho de 1987.
João
Neudes de Lucena
DEFENSOR DATIVO
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